Ambulei vários dias e várias noites. Vi muita coisa debaixo da terra. Sei
que sou ainda muito novo, provavelmente exista ainda muita coisa por ver e
ouvir. Também sei que o meu coração pode avaliar de forma enganosa as coisas
que vejo, porque afinal sou humano e portanto imperfeito.
Nas minhas caminhadas de quatro pernas e paragens de duas pernas conheci
e convivi com um rapaz de nome Justo e uma rapariga chamada Ogia, alta que
tinha pernas muito afinadas como uma agulha, cabeça muito grande, braços
compridos que tocavam o solo e lábios extremamente longos. Os dois eram amigos.
Esta rapariga gostava de falar e falava muito mais do que a própria fala. Muitas
das vezes ela abria a boca para descrever as suas boas qualidades físicas e
psicológicas. Ela era bonita e inteligente aos seus próprios olhos. As suas
pernas finas como agulha era a máxima, a cabeça de mil litros era a melhor de
todas e os braços eram charmosos do que o próprio charme. A meu ver ela tinha
razão, as suas qualidades físicas são boas, porque algo fora do comum é uma
beleza de invejar.
Toda a pessoa que tenha características incomuns como bundas ao nível de Ronaldo, ou olhos de
bola; pernas arqueadas ou nariz alongado; estatura mais baixa que um anainho ou
mais alta que um comprido, essa pessoa devia se sentir abençoada. Por que as
pessoas que têm um modelo de veículo que nenhuma outra pessoa possui se sentem abençoadas?
E porque uma pessoa com olhos de bolas não deve se sentir abençoada? Assim como
a pessoa com veículo sente-se alegre assim também devia se sentir o de olhos de
bola. Isso chama-se orgulho positivo.
Mas voltemos a Ogia. Ela para além das boas qualidades físicas tem
outras qualidades que fazem dela uma pessoa difícil de se lidar. É uma pessoa
que não admite que está a sofrer ou que sente falta de algo. Ela é capaz de
mentir e roubar para manter a impressão de que está tudo bem com ela. É capaz
de soltar gases só para interromper uma conversa que visava aconselha-lo.
Um orgulhoso é infalível nas suas opiniões. Você pode tentar esgrimir
quaisquer argumentos mas o orgulhoso continuará irredutível. O orgulhoso nunca
reconhece que erra ou que pode errar. O orgulhoso nem sabe que é orgulhoso, e
quando alguém lhe alerta sobre essa sua qualidade, ele reage com agressividade
e torna-se o seu inimigo. O orgulhoso confia apenas no seu próprio coração e
mais nada. Ele não muda de opinião nem de raciocínio.
A minha amiga Ogia pensa que é sempre capaz de discernir e interpretar a
vontade de Deus. Não melhora suas atitudes e forma de viver porque julga-se
melhor que os outros e portanto não consegue autoanalisar-se. Ela está
constantemente insatisfeita e desconfiada, é insensível e ambiciosa, tem sempre
necessidade de ser reconhecida. Não consegue ser submissa à autoridade
espiritual, aos seus líderes, aos pais e ao cônjuge. Nos relacionamentos e na
sua vida profissional, é irredutível nos seus pontos de vista, recusando-se a
abandonar suas vontades pelo bem do grupo. Quando sua opinião não prevalece,
faz o que pode para enfraquecer a autoridade dos outros e quase sempre é
irônica e ferina.
As qualidades da minha amiga Ogia não param por aqui. Ela é gananciosa. Ela
deseja muita coisa só para ela. Deseja muito dinheiro só para ela. Uma pessoa
gananciosa é uma pessoa infiel, capaz de trair o seu chefe ou o seu cônjuge para
conseguir atingir um posto de chefia ou satisfazer um prazer carnal. Uma pessoa
infiel sente a necessidade de ser admirada, desejada e procurada, por trás
disso existe uma gigantesca camada de insegurança. A isso podemos acrescentar o
facto de que, em muitas ocasiões, a infidelidade acontece por um medo
irracional de solidão. Os infiéis têm em seu subconsciente uma ideia equivocada
que os levam a se convencerem de que, se seu parceiro o deixar, ele precisa
garantir um “plano b”, precisa ter outra pessoa que substitua aquele vazio
deixado imediatamente.
A ganância é um desejo maligno que traz o sofrimento, a angústia, o
orgulho, a falta de respeito pelo próximo e muitas outras coisas ruins, porque
a pessoa gananciosa não mede esforços para conseguir o que tanto deseja. É uma
pessoa infiel e é constantemente invadida pelo pensamento de que sempre pode
encontrar "algo melhor", mesmo que tenha ao seu lado uma pessoa que
supra todas as suas expectativas. Uma pessoa gananciosa geralmente não sabe que
é gananciosa e pode acusar os outros de serem gananciosas. Ou seja um ganancioso
pode igualmente ser orgulhosa.
A minha amiga Ogia é tão gananciosa que como quer satisfazer apenas o
que o seu coração quer, não ouve os conselhos de pessoas que querem ajuda-la e
muitas vezes é grosseira e ignorante com elas, até ao ponto de cometer homicídio.
É capaz de mentir para satisfazer a sua ganância. Ela esbanja os bens para
satisfazer os desejos do seu coração e acusa os outros de serem gananciosos. Ela
é conhecida na zona, como menina de “status”, ostentando carros de luxo,
consumindo bebidas de alto custo e se vendo com homens charmosos segundo os
seus próprios olhares. A Ogia gosta de orgias, porque isso satisfaz as manias
da sua carne.
A Ogia é também invejosa. Ela por ser invejosa não quer e nem imagina que
um dia alguém terá as características que ela tem. Ai de você experimentar ter
pernas finas, ou braços compridos ou ainda olhos de bola como a Ogia! Ela vai
odia-lo. Uma pessoa invejosa quer possuir tudo o que os outros possuem. É uma
pessoa que se entristece com o sucesso do Justo. A Ogia vive em função das
pessoas ao seu redor sem fazer qualquer avaliação do bem e do mal. Se os outros
matam, ela quer matar; se bebem álcool, ela também que faze-lo; se não há
respeito, ela quer ser desrespeitosa, etc. Ela quer ser mais do que as outras
pessoas são. A Ogia por ser invejosa é ignorante. Tornou-se pobre porque queria
beber, gastar dinheiro, mentir e viajar mais do que os outros. E ainda assim
não ficava satisfeito porque os outros praticavam estas coisas. A Ogia quer
conseguir ou conquistar tudo sem medir as consequências e tem muitas
dificuldades em elogiar. Tudo o que ela sabe é elogiar as suas atitudes
copiadas das outras pessoas. Ela se incomoda com as pessoas inteligentes e está
sempre a criticar com o objectivo de as outras pessoas baixarem o autoestima.
O que me deixou mais intrigante na relação entre os dois amigos, a Ogia
e o Justo é a apatia da Ogia. A Ogia é apática. Ela é indiferente em tudo o que
é bom. Ela é apática em relação ao emprego, é apática em relação a escola. Ela é
apática quando se trata de ter relações sexuais com o seu cônjuge. É apática em
tudo. Mas o que me intriga como é que uma pessoa que é simultaneamente
orgulhosa, gananciosa e invejosa pode ser ainda apática? Garanto-vos que levei
vários séculos na encarnação passada para descobrir como isso é possível. A Ogia
consegue ser isso tudo porque tem o amigo Justo que lhe satisfaz. Quando se
trata de trabalhar o Justo está lá. Se é para estudar o Justo está presente. Quando
é para empreender e gerir negócios o Justo também está lá. Quando é para ser
desprezado, o justo está presente. Enquanto isso a amiga Ogia está empenhada em
satisfazer as manias da sua carne através dos esfoço do seu amigo Justo.
Mas Justo morreu, neste momento acordei do sono profundo. Gostaria de lá
voltar, na terra da Ogia e do Justo, para saber como terminou a estória da
Ogia. Porquanto tenho a certeza que a Ogia está doente psicologicamente!
Joseph Katame
(jkatame@gmail.com)